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"Luta. Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça"
(Eduardo Couture)

sábado, 9 de março de 2013

Direção sem habilitação: crime ou infração administrativa

Afonso Tavares Dantas Neto
Promotor de Justiça titular da 5ª Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte-CE

Desde a elaboração do atual Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997), vem sendo objeto de divergência a questão da natureza jurídica da direção de veículo automotor sem habilitação. Para uns configura crime, enquanto outros consideram como mera infração administrativa. A finalidade do presente escrito é contribuir para o esclarecimento do assunto, oferecendo opções de leitura ao interessado no assunto.

Quanto à natureza jurídica da conduta de dirigir sem habilitação, convém gizar, ab initio, que a direção de veículo automotor sem habilitação configura infração administrativa de trânsito, descrita no art. 162 do Código de Trânsito Brasileiro, in verbis:
“Art. 162. Dirigir veículo:
I - sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (três vezes) e apreensão do veículo”.

Para configuração do crime de trânsito consistente na direção de veículo automotor sem habilitação, há necessidade da demonstração da existência do elemento do tipo denominado “perigo de dano”. Aliás, tal expressão demarca a fronteira entre o ilícito administrativo e o ilícito penal, ipsis verbi:
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa”.

O professor Damásio de Jesus explica em que consiste o crime de perigo de dano concreto, verbo ad verbum:
“Perigo concreto é o real, o que na verdade acontece, hipóteses em que o dano ao objeto jurídico só não ocorre por simples eventualidade, por mero acidente, sofrendo um sério risco (efetiva situação de perigo). Na palavra da Claus Roxin, o resultado danoso só não ocorre por simples casualidade (Derecho Penal; parte general, cit., p. 336). O bem sofre uma real possibilidade de dano. São aqueles casos em que se diz que o resultado não foi causado ‘por um triz’, em que o ‘quase’ procura explicar a sua não-superveniência. São episódios em que o comportamento apresenta, de fato, ínsita a probabilidade de causar dano ao bem jurídico e que, para a existência do delito, é necessário provar sua ocorrência. Perigo concreto é, pois, o que precisa ser demonstrado (valoração ex post, ‘prognose póstuma’). Ex.: no art. 132 do CP há a definição de crime de perigo para a vida de outrem. O perigo, no caso, não é presumido, mas, ao contrário, precisa ser investigado e comprovado” (CRIMES DE TRÂNSITO. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 6).

A contravenção de “falta de habilitação para dirigir veículo”, inscrita no art. 32 do Decreto-lei n° 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), foi revogada, segundo entendimento da doutrina amplamente majoritária e orientação uniforme dos Tribunais Superiores.

Os mestres Fernando Capez e Victor Eduardo Rios Gonçalves tratam do tema com exatidão, ipsis verbis:
“Se o agente é legalmente habilitado, configura mera infração administrativa o fato de dirigir veículo sem estar portando o documento” (ASPECTOS CRIMINAIS DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 55).
Os autores acima citados acrescentam que “a simples conduta de dirigir sem habilitação passou a configurar simples infração administrativa (art. 162, I), demonstrando que o legislador quis afastar a incidência de normas penais para o caso” (obra citada, p. 57).

Os mesmos professores foram além, esclarecendo ainda que “pela sistemática antiga, o ato de dirigir sem habilitação configurava concomitantemente a contravenção penal do art. 32 e a infração administrativa prevista no art. 89, I, do antigo Código Nacional de Trânsito. O novo Código, entretanto, tratou tanto da questão administrativa quanto da penal, dispondo que, se a conduta gera perigo de dano, há crime, mas, se não gera, há mera infração administrativa” (obra citada, p. 57). Os docentes concluem que “o art. 32 da Lei das Contravenções Penais está derrogado, valendo apenas no que se refere à sua segunda parte (dirigir, sem a devida habilitação, embarcação a motor em águas públicas)” (obra citada, p. 60).

Os penalistas Sérgio Salomão Shecaira e Luiz Flávio Gomes ensinam que “não ocorrendo condução anormal, inexiste crime, subsistindo apenas a infração administrativa. Assim, se o motorista é surpreendido estando conduzindo normalmente o veículo, só há infração administrativa (art. 162, I, II e V, do CT)” (In DIREÇÃO SEM HABILITAÇÃO – conferência – Cursos sobre Delitos de Trânsito, Complexo Jurídico Damásio de Jesus, São Paulo, 6-3-1998, apud ASPECTOS CRIMINAIS DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 61).

O criminalista Renato Marcão destaca que “a mera condução de veículo automotor em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, não é suficiente para a conformação típica. É imprescindível que se associe a tal prática a ocorrência de perigo concreto, condição sem a qual a conduta não se ajusta ao tipo em comento, ficando remetida à condição de mera infração administrativa”(CRIMES DE TRÂNSITO. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 206).

A decisão abaixo do colendo Superior Tribunal de Justiça confirma tudo que foi exposto acima, verbo ad verbum:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. DIREÇÃO SEM HABILITAÇÃO. ART. 32 DA LEI DE CONTRAVENÇÃO PENAL E ART. 309 DA LEI 9.503/97.
1. As Cortes Superiores sedimentaram o entendimento no sentido de que a direção de veículos automotores sem habilitação, nas vias terrestres, pode constituir crime, nos termos do art. 309 do CTB, ou infração administrativa, consoante o art. 162, inciso I, do CTB, a depender da ocorrência ou não de perigo concreto de dano, restando, pois, derrogado o art. 32 da Lei de Contravenções Penais.
2. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido” (STJ - REsp 331.104/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/04/2004, DJ 17/05/2004, p. 266).

Conforme demonstrado acima, o simples fato de dirigir veículo automotor sem habilitação representa apenas infração administrativa. Para configuração do crime previsto no art. 309 da Lei n° 9.503/1997, é necessário que o guiador do veículo, além da falta de habilitação, revele perigo concreto de dano, pela maneira anormal de dirigir (exemplos: excesso de velocidade, dirigir sobre uma roda, freadas bruscas, trafegar em ziguezague, subir calçada, invadir cruzamento, “fechar” outros veículos, etc).

Finalmente, após o exame da legislação, da doutrina e da jurisprudência, resulta evidente que a mera direção de veículo sem habilitação configura apenas infração administrativa de trânsito, visto que somente ocorre crime de trânsito, propriamente dito, quando observa-se que há direção anormal capaz de configurar o perigo concreto de dano exigido pela legislação em vigor, em consonância com a exposição acima. Com efeito, não havendo perigo de dano na conduta investigada, o fato será penalmente atípico.

Fonte: www.conteudojuridico.com.br

domingo, 3 de março de 2013

Importância do estudo da "História do Direito"

Por Carlos Eduardo Neves

O tema que se discute aqui se relaciona com a existência de importância do estudo da história do Direito pelo bacharéis nas faculdades/universidades do Brasil.A História do Direito, sucintamente, é o ramo do conhecimento que estuda o fenômeno jurídico ao longo do nascer e renascer das civilizações...

A História do Direito, sucintamente, é o ramo do conhecimento que estuda o fenômeno jurídico ao longo do nascer e renascer das civilizações. Valendo-nos de outros termos, citamos Luiz Carlos de Azevedo, quando aduz que “condição de ciência que é, descreve e revela; pesquisa e esclarece; coordena e explicita a vida jurídica de um povo em seus mais variados aspectos, detendo-se nas fontes, costumes, na legislação que o rege, em todas as manifestações, enfim...” (Introdução à História do Direito, RT, 3 ed., 2009).

Isso posto, ou seja, delimitado o objeto; questiona-se se a história do Direito deve ser estudada nas academias jurídicas. Seria a referida disciplina uma ferramenta para o ganho de qualidade no aprendizado jurídico ou seria, ao contrário, perda de tempo? Essas questões são de grande importância, pois nem todo o ensino superior jurídico (bacharelado) apresenta a história do Direito como disciplina em seus currículos. Dessarte, no primeiro ano do estudo do Direito verifica-se que o aluno, em geral, sofre para compreender os institutos jurídicos, porque estes são muitas vezes demasiadamente abstratos e complexos para a sua apreensão. Por que existem? Quando surgiu? Qual a razão de determinada conduta ser regrada dessa forma e não de outra? Essas são algumas indagações que surgem na cabeça no neófito.

Com efeito, o Direito é uma criação humana muito complexa, construída ao longo do tempo, surgida aos poucos, feita e refeita, refletindo todos os embates humanos no planeta. De tal modo, o Direito continua atualmente a ser estudado, dentre tantos, pelos filósofos e juristas, a ponto de termos várias concepções suas, muitas delas contraditórias, em suma, tantas definições quanto estudiosos que as concebem. Com isso, fácil entender a dificuldade do aluno que adentra nesse ramo milenar do conhecimento, bem como de todos os estudiosos que com ele se ocupam.

Sem embargo, quando se conhece a causa do surgimento de determinado instituto jurídico e sua evolução, torna-se muito mais fácil o seu aprendizado. Além disso, pode-se sopesá-lo para concluir se é anacrônico, inútil ou se ainda é legítimo. Citemos como exemplo, para corroborar nosso argumento, o pátrio poder no Código Civil de 1916 “exercendo-o o marido“, que, ademais, “é o chefe da sociedade conjugal” .

Mas, porque o homem era o chefe? Fustel de Coulanges, no livro “A Cidade Antiga”, quando discorre sobre as antigas civilizações gregas e romanas responde que, naquela época, o “pai é o chefe supremo da religião doméstica; dirige todas as cerimônias do culto como bem entendo, ou antes, como vira fazer seu pai. Ninguém na família lhe contesta a supremacia sacerdotal. A própria cidade e seus pontífices nada podem mudar em seu culto. Como sacerdote do lar não reconhece nenhum superior.”

Não obstante, o pátrio poder existiu até o século XX, ou seja, certamente mais 2.500,00 anos, tendo evoluído para poder familiar. Desse modo, estando o espaço exaurido para detalhar melhor o tema, em consonância com os doutrinadores que estudam a história do Direito, entendemos que para a compreensão dos institutos jurídicos, de forma plena, necessário estudar o seu nascimento e desenvolvimento para, até mesmo, aferir de sua possível extinção.

Fonte: DireitoNet.com